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WhatsApp, o Lobby Virtual: Política Informal vs. Regras Formais.

Imagem gerada por IA
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📌 Por Marcus Vinicius de Menezes Reis - www,mvreis.com.br


Quem nunca assistiu, incrédulo, a uma discussão em grupo de WhatsApp tomando proporções épicas, muitas vezes por temas triviais ou mal compreendidos? Em poucos minutos, formam-se alianças, intensificam-se críticas, exigem-se providências urgentes. A sensação é de que algo muito sério está em curso — mesmo que, ao fim, o assunto se revele uma banalidade. É nesse ambiente pulsante e desestruturado que se constrói, hoje, boa parte da articulação política e institucional da vida cotidiana.


A própria algoritmização da sociedade elevou a temperatura dos debates. As plataformas digitais, movidas por sistemas que maximizam engajamento e retenção, passaram a formar bolhas de afinidade, nas quais o indivíduo recebe, em larga escala, conteúdos que reforçam suas convicções. É um fenômeno silencioso: cria-se a ilusão de consenso, em que o mundo ao redor parece compartilhar as mesmas ideias, enquanto qualquer divergência soa absurda ou distante demais. O resultado é uma percepção inflamada de urgência e oposição. E o WhatsApp, com seu formato direto, sem curadoria e com dinâmicas próprias, tornou-se palco privilegiado dessa distorção coletiva.


Muitos que ingressam em sociedades organizadas se encantam com a proposta ou os benefícios imediatos — a estrutura de um clube, a comodidade de um condomínio, a força de uma cooperativa. Mas nem sempre compreendem o que significa integrar uma organização dessa natureza. Há regras, há quóruns, há assembleias, há previsões estatutárias. E o simples “concordo” no celular não equivale a um voto válido.


Identifica-se o curioso fenômeno de comportamento coletivo, denominado "poder de manada". Quando algumas vozes começam a se manifestar com insistência e indignação, rapidamente se forma um ambiente de aparente consenso — ainda que esse consenso não reflita a realidade do grupo como um todo. Muitos aderem à movimentação sem conhecer a fundo os entraves jurídicos, os impactos institucionais ou as consequências práticas do que se propõe — e, pior, partindo da falsa premissa de que nenhum debate interno já tenha ocorrido nas instâncias formais. Trata-se, muitas vezes, de uma mobilização impulsiva, alimentada por fragmentos de informação e pela ausência de contraponto. O resultado é uma pressão crescente para que dirigentes se posicionem ou tomem medidas fora dos canais oficiais, sob pena de parecerem omissos ou insensíveis à “voz do grupo”.


Essa sensação de que “está tudo errado” também é potencializada pelo silêncio dos satisfeitos. Em grupos ruidosos, é comum que aqueles que concordam com os rumos institucionais não se manifestem — seja por entenderem que o debate não é o espaço adequado, seja por não desejarem se expor ao desgaste. Muitas vezes, o silêncio vem do desconforto em apresentar um contraponto a argumentos que são colocados como verdades absolutas ou, em alguns casos, expressos de forma agressiva ou grosseira. O resultado é uma percepção distorcida de adesão coletiva a uma suposta demanda por mudança. Trata-se, na verdade, de uma movimentação aparente, onde o volume de mensagens é confundido com legitimidade decisória — o que, mais uma vez, reforça a necessidade de se respeitar as formas e os fóruns adequados para a deliberação.


Identifica-se, também, a figura do indivíduo moderno — hiperconectado, articulado e munido de senso crítico aguçado — que assume, nos grupos, o papel de liderança espontânea em uma espécie de "revolução tecnológica institucional". É ele quem desafia o modelo tradicional, denuncia estruturas consideradas anacrônicas e propõe, com veemência, rupturas e transformações imediatas. No entanto, muitas vezes, esse mesmo indivíduo se esquece das bases jurídicas que sustentam a sociedade em que está inserido. Desconsidera que há leis em vigor, normas estatutárias, princípios de legalidade, devido processo e segurança jurídica que não podem ser ignorados — mesmo em nome da modernização. Nesse conflito entre o desejo por agilidade e a necessidade de forma, é essencial lembrar que a legitimidade de qualquer mudança institucional nasce do respeito às regras, não da velocidade dos cliques.


É importante destacar que os valores e procedimentos que regem instituições — como assembleias, quóruns, prazos e exigências formais — não são meros entraves burocráticos. Eles foram construídos ao longo do tempo justamente para assegurar estabilidade, previsibilidade e proteção contra decisões impulsivas ou desorganizadas. Por trás dessas estruturas, muitas vezes, está um princípio essencialmente conservador: o de evitar que mudanças relevantes sejam feitas sob o calor das emoções, das pressões momentâneas ou de movimentos artificiais criados em ambientes digitais. Não se trata de resistência ao novo, mas de cuidado com o futuro. A forma é, muitas vezes, o único antídoto contra o arbítrio disfarçado de inovação.


Outro ponto sensível é o conteúdo dos grupos. Nem todos que ali estão têm direito a voto. Alguns sequer estão adimplentes com suas obrigações. Outros participam apenas para acompanhar discussões. Em determinados casos, há até quem esteja infiltrado ou sem qualquer vínculo com a instituição. Esse cenário reforça a importância de não tratar temas sensíveis ou decisões que exigem reserva e controle, nos grupos. Não raro, dirigentes se veem pressionados a se manifestar em tempo real sobre temas que, por responsabilidade institucional, só podem ser tratados em assembleia.


O WhatsApp virou o lobby moderno” — um paralelo contemporâneo ao tradicional lobby do Parlamento Britânico, onde parlamentares se reúnem para conversas de bastidores, trocas de ideias e formação de alianças fora das salas de votação. Assim como naquele ambiente histórico, os grupos digitais cumprem uma função estratégica: articulam, pressionam, antecipam movimentos. Mas não deliberam. Ao menos, não com validade jurídica.


É verdade que o Judiciário já reconheceu, em algumas hipóteses, o valor jurídico de mensagens de WhatsApp. Mas isso se restringe a situações em que a lei não exige forma específica. Quando se trata de decisões que dependem de assembleia, de editais, de registros ou de formalização por escrito, não há atalho digital que resolva.


Por isso, tão importante quanto participar das conversas nos grupos é compreender que a verdadeira decisão ocorre em outro lugar: no ambiente formal, com as garantias legais e os mecanismos de controle adequados.


O WhatsApp é útil. Agrega e pressiona.

Mas não substitui o devido processo e os fóruns onde as decisões ganham validade.



 
 
 

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